Estava correndo pela
floresta, era uma noite muito clara, dessas que a lua faz as sombras das
arvores ficarem alongadas e fantasmagóricas, e ilumina os olhos dos animais
como faróis verdes, mas ele não parou pra ver tudo isso, corria numa pressa que
consumia todo seu pensamento, só podia correr, nada mais, corria e para isso
empenhava-se ao máximo, seus músculos contraiam-se sobre seus ossos enquanto
uma dor latejante começou a brotar do lado esquerdo do seu abdômen. Parou
abruptamente na intenção de tomar fôlego, com as mãos no joelho e ligeiramente
curvado percebeu o quanto estava ofegante e de quanto tinha percorrido até
então, ao olhar a sua volta não reconheceu o local, aquilo era estranho, pois
conhecia os terrenos de Tuarah¹ como a palma de sua mão.
Decidiu então
percorrer mais lentamente o caminho, tentando encontrar algo familiar ou mesmo
uma forma de voltar para casa, afinal Ladahria² já estaria preocupada com sua
demora. Ladahria, o motivo de ele estar ali, com os pensamentos em ordem e
vagando pela floresta viu como tinha sido estúpido quanto à briga que teve com
sua melhor amiga, tinha saído no meio da discussão e sem pensar duas vezes
mergulhou na densa floresta ao norte de Tuarah, e agora estava perdido e
imaginava o quanto a sua castanha riria da bobagem que fez quando voltasse para
casa.
Ria de si mesmo
quando viu um deslumbre por entre as arvores, aparentemente a lua refletia-se
em algo além dos troncos próximos, parecia água, talvez fosse um lago ou então
um rio, ele torcia imensamente para que fosse algum braço do rio Rondao³, assim
ele poderia se orientar até o vilarejo, já estava morto de fome e começava a
sentir a fadiga decorrente da corrida sem sentido.
Porém era um lago
que refletia a luz do luar, um lago imenso no meio de uma clareira que caberia
a vila inteira com sobras largas, mas o que mais lhe chamou a atenção foi o
quão belo era esse lugar, nada que ele tivesse visto em tantas de suas viagens
pelo reino se comparavam a beleza desse lugar, ao centro estava o lago que
mesmo a noite possuía águas tão transparentes que era possível ver a areia em
sua margem, mas a profundidade do mesmo fazia com que o translúcido se tornasse
negro à medida que avançava para mais longe. Às margens a grama verde esmeralda
cobria todo o interior da clareira, salpicada por pequenas margaridas brancas,
tudo era muito calmo e silencioso, quase como um encantamento. Nesse momento
lembrou-se de quando sua mãe sussurrava canções sobre magia e encantos e o quão
perigoso é o silêncio.
Antes que pudesse
dar meia volta e seguir para onde tinha vindo, uma perturbação nas águas do
lago o deteve, ele olhou atentamente, e por mais que a noite estivesse clara,
não conseguia distinguir a forma que saia das águas, era diferente de tudo que
já havia presenciado, nos livros não aprendera nada sobre aparições de
espíritos, só sabia usar o arco, mas este só atravessava coisas solidas, e ele
tinha certeza de que o que via se tratava de algo irreal.
Do lago surgia uma
silueta esbelta, de uma mulher jovem, na luz da noite só podia distinguir suas
formas, as quais ele jamais esqueceria, era a visão mais linda que havia tido,
e se aproximava dele, ele sentia que algo perigoso o observava, mas não
conseguia tirar os pés do chão, ao contemplar a jovem sentia paz e medo, era
estranho, ele já estivera com mulheres antes, em situações bem mais
desconcertantes que essa, mas olhá-la era como se deparar com um anjo, um ser
completamente distinto dos demais. E ela continuava sua aproximação, já
percebera sua presença e estava nitidamente caminhado em sua direção.
Agora mais perto ele
podia diferenciar sua forma nas sombras, tinha longos cabelos negros, sua pele
lembrava porcelana fina à luz do luar, os lábios estavam comprimidos em tensão
e ficavam mais vermelhos a medida que ela os mordia, estava encharcada, sua
emersão do lago fez com que o leve vestido de chiffon** ficasse colado em seu
corpo, os cabelos molhados e o ar sombrio de sua face lhe davam um aspecto
selvagem e belo. Distraído pela beleza da dama da água mal teve tempo de se
recompor, quando deu por si estava no chão com a moça sobre ele e uma adaga
contra seu pescoço.
- Como chegou aqui?
– exigiu asperamente a jovem enquanto seu cabelos caiam como cortinas negras ao
lado de seu rosto molhando-o por completo. Ela era hábil e veloz, o colocou no
chão mais rápido que qualquer homem que conhecia e havia lutado, com seus
quadris sobre suas pernas tornava qualquer movimento altamente arriscado por
conta da lamina fria que pressionava sua garganta. – eu perguntei como chegou
aqui? – exigiu novamente, como não teve resposta à indagação anterior. – quem
lhe enviou? Quem é você?
- Ninguém me enviou,
e não sei como cheguei até aqui – estava sendo sincero, porém isso não pareceu
convencê-la, ao contrario, ela afundou mais ainda a adaga fazendo escorrer uma
gota de sangue escuro que cintilou ao cair na grama – calminha, agora se você
afastar a faca, moça, eu prometo responder qualquer pergunta que queira fazer.
Perante isso ela
pareceu se contentar, tão rápido quanto o atacou ela se levantou e estava de
pé, inabalável, como se nunca tivesse saído do lugar. Ele já estava impaciente
com aquilo, nunca uma mulher o havia dominado dessa maneira, ainda mais uma tão
bonita, sempre teve fama de conquistador, era sempre o primeiro a falar e a
agir, mas agora se sentia acuado e derrotado. Enxugou o sangue com as costas da
manga e sentou-se no chão, olhou para cima e viu a jovem altiva e arrogante,
olhando para ele como se fosse um águia espreitando um rato perdido.
- Olha, moça, como
eu disse eu não sei como cheguei aqui e se você me der licença pretendo chegar
em casa antes do amanhecer, então – fez menção de se levantar, mas ela
afundou-o pelo ombro forçando-o a permanecer sentado. Nessa hora tudo ficou
escuro, foi como se o tivessem sugado para os confins da terra, ele piscou
tentando ver algo, mas tudo era breu, de repente uma luz forte o segou, estava
novamente na clareira, mas era dia, e diante dele estava uma mulher ruiva e não
morena, e esta lhe sorria.
NA¹:
primeira parte do conto, espero que gostem, vou postando a medida que for
escrevendo e quando fizer sentido para uma continuação.
NA²:
dica leiam escutando o álbum Irish Jing – Gwendal
NA³:
abaixo um pequeno glossário:
¹
vilarejo ao sul da floresta de Nevah e é perpassado pelo rio Rondao.
² sacerdotisa
do clã Tuarah, maga ilegítima
³ rio
poderoso que alimenta as três grandes nações: Eauvolch, Avenon e Therento
* nação de um dos grandes reinos, Eauvolch, suas coordenadas são desconhecidas pelos humanos, pronuncia-se: Úvolchis
** tecido leve e transparente
** tecido leve e transparente
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